FEIJÃO COM LOURO
Nasci numa cidadezinha no interior de São Paulo, de pouco mais de 40 mil habitantes, e vizinha do inferno. Sim, porque a cidade arde: ruas, muros e árvores, tudo arfa de sede diante do bafo sufocante do dono da casa ao lado. Foi por isso que, na primeira oportunidade da vida, arrumei as malas, esperei uma brisa leve e fui embora. Encontrei ares mais agradáveis, sem dúvida, mas nunca deixei de vez ou outra retornar à minha cidade-berço. Porque é lá, naquele solo ardente, que estão fincadas minhas raízes, tão acostumadas ao sol a pino que mudá-las seria o mesmo que arrancar-lhes a vida. Eu, folha que sou, desprendi-me para piruetar por outros ventos.
Nasci numa cidadezinha no interior de São Paulo, de pouco mais de 40 mil habitantes, e vizinha do inferno. Sim, porque a cidade arde: ruas, muros e árvores, tudo arfa de sede diante do bafo sufocante do dono da casa ao lado. Foi por isso que, na primeira oportunidade da vida, arrumei as malas, esperei uma brisa leve e fui embora. Encontrei ares mais agradáveis, sem dúvida, mas nunca deixei de vez ou outra retornar à minha cidade-berço. Porque é lá, naquele solo ardente, que estão fincadas minhas raízes, tão acostumadas ao sol a pino que mudá-las seria o mesmo que arrancar-lhes a vida. Eu, folha que sou, desprendi-me para piruetar por outros ventos.
Mas enganam-se aqueles que me pensam desertora. Sou filha pródiga, amo o retorno e seu significativo acolhimento. Meu alimento é a nostalgia, saudosa que sou de toda a minha infância, mesmo que dela me lembre principalmente do calor. Talvez porque o banho no calor seja mais refrescante, e o sorvete tomado às pressas muito mais saboroso. E desses rituais de minha infância, embalados pelos ares cálidos de minha cidade, guardo um particularmente feliz: aos domingos, ir almoçar na casa da avó. Ritual que ainda gosto de realizar, talvez pela delícia de acordar minha criança, talvez pela certeza de nunca esquecê-la.
Domingo é um dia muito chato para ficar sozinha. Bom mesmo é almoçar na casa da Vó! Despertar com o sol já quente, tomar café forte com leite frio enquanto olho beija-flores e abelhas a disputar a atenção dos camarões-vermelhos do jardim de minha mãe, rubros de vergonha diante de tamanha corte. Para logo em seguida sacolejar o espírito na ducha gelada a fim de aliviar o calor da cidade já fervente e, enfim, ir almoçar na casa da Vó... Porque bom mesmo é cheirinho de comida no fogão misturada ao cheiro de Vó, coisa que só criança entende, é uma sensação que some com a idade.
O aroma do louro do feijão convida da calçada e atiça a fome gostosa do conforto da saudade de uma infância que já acena de muito longe, do Vô que volta em silêncio para nos abraçar. Porque domingo solitário é muito chato, faz a gente nostálgica sentir falta de tudo isso e entristecer uma certa angústia apertando o peito até a segunda-feira. E então a semana se arrasta no torpor da quentura da cidade, mesmo que eu já tivesse retomado a estrada. Qualquer janela no caminho do trabalho que exale o louro encaldado é convidativa, mas de fácil resistência. Porque falta a voz da Vó na cozinha, a cristaleira embebida em vinho do Porto, o sofá velho que traz o abraço do Vô.
Amanhã é domingo e estou longe da cidade onde nasci. Coloco a coberta nos ombros, mesmo estando muito quente dentro de casa. Quero sentir a baforada da minha infância a papear de longe, a se lambuzar de longe com o feijão que cheira à Vó. Esse monte de lã sobre minhas costas é meu avô me acolhendo em boas vindas.
Mariela Mei é escritora. Bloga em GraçaDesgraça
1 Comentário
É sempre bom rele Louro com Feijão. Revigora e faz acreditar que amanhã será como ontem,
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