domingo, 20 de março de 2011

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o chá das cinco...


O Lawrence é um sítio arriscado, desde logo porque se recuam séculos de história e “estórias” que nos compelem a viajar no tempo. Nunca se sabe o que pode suceder naquela mansão senhorial de construção setecentista, onde pernoitaram hóspedes ilustres como Alexandre Herculano, Bulhão Pato, Camilo Castelo Branco, Oliveira Martins, Ramalho Ortigão ou William Beckford, um espaço que ganha importância em Os Maias, de Eça de Queirós, que o conhecia bem, por nele se abrigar, onde Lord Byron escreveu parte do poema Childe Harold's Pilgrimage. Porque careço da suavidade, do afecto, do sentimentalismo, do veludo impresso pelos escritores que frequentaram aquele lugar, nunca resisto a entrar.

Entro e vejo-a. Muito mais nova do que eu, um anjo de incrível beleza. E tem aquele ar parisiense porque passou alguns anos na Sorbonne a estudar Antropologia e a deambular pelo Quartier latin. Quando damos por isso eu já estou a acariciá-la e ela já me está a acariciar. O seu corpo místico arde sob os meus dedos palpitantes. Aquele hotel de charme no centro da mágica e enigmática Vila de Sintra é perigosíssimo. O chá das cinco dura uma eternidade, salta as estações do ano e os corações vêm à boca oferecendo amoras bravas. Saímos daquela que é a hospedaria mais antiga da Península Ibérica e atravessamos a povoação espiados pela vista magnífica da Serra. Conduz-me para a casa dela. Uma velha moradia quase em ruínas, quase vazia, mas envolvida pelo verde profundo da mata nativa e pelo colorido prazenteiro do jardim. Chegou de Paris a semana passada, diz-me. Eu prefiro não saber pormenores. Como se pairasse num sonho adolescente sinto-me deslumbrado com aquela princesa secreta da aventura naquela estranha residência. Com os corpos iluminados pelas velas e em insuportável ternura morremos na pele e na respiração um do outro. Com ela incendio o entardecer e o desejo desfaz-se em embriaguez dentro da alma. Mas a mulher que percorro com as mãos é-me desconhecida. Pálpebras pesadas adormece a falar-me amorosamente do namorado italiano que investiga neurologia da mente e que deixou na cidade à beira Sena.

Caminho sem pressas pelas ruas frias para ir ao encontro da mulher que me aguarda em casa, vestindo um sentimento estranho porque transporto comigo o perfume e o impudor daquela deusa ainda incriada. O que diriam as personagens de Eça de Queirós a estas infidelidades? Como comentaria o poeta e herói romântico Lord Byron esta traição? Aquele hotel em que cada quarto é genuíno, onde não existem números nas portas e que já foi conhecido pela Estalagem dos Cavaleiros é deveras perigoso. Ou tudo não passará de uma macumba dos fantasmas da escrita que ali permanecem e se divertem em constante orgia literária à custa de espíritos incautos?

Luís Galego

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