quinta-feira, 18 de abril de 2019

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Pequenas histórias 332


Dilatam-se
 

Dilatam-se as possibilidades e, ele tem dificuldade em ver. Sabia da sua natureza, do seu ser franzino, de pouca fala, sem discussões, e além do mais, a propensão ao estado paranoico depressivo. Não sabia dessas peculiaridades, só foi descobri-las ao participar de uma sessão de terapia em grupo. Mesmo assim, relutante custou a aceitar. Se alguém pensa que se abalou, estão enganados. Nada o abalou. Dizia não existir coisa alguma que o abalasse. E não tinha mesmo.
Vivia no sossego do apartamento economicamente desprovido de luxo, apenas o necessário. O que preciso é do necessário, o luxo supérfluo é para os vazios de alma, costumava dizer. Vivia no silencio da música seu único alimento. Estando no apartamento vinte quatro horas, as vinte quatro horas, ouvia música, não podia deixar de ouvi-las. Depois de muitas pesquisas, com certo sacrifício, conseguiu deixar o quarto em escritório, onde estava o aparelho de som, o home theater e o computador, num aconchegante lugar de lazer. E ali, passava seu maior tempo, lendo, ouvindo e escrevendo. Uma vez ou outra saia para uma longa caminhada no voo suave do pensamento, renovando os pulmões e os olhos. Caminhava despreocupado, onde esvaziava a mente até o ponto alfa do vazio sem sentido. Sabia onde e quando encontraria o seu destino. Criava-se o destino ou ele já estaria escrito no incansável? Ou talvez, passara por ele e não o reconhecerá? Se isso tivesse acontecido não estaria aqui nesse momento escrevendo. Ainda não se sentia pronto.
Sentado com as costas voltadas para o abismo da Nove de Julho, enquanto fumava e nos intervalos das tragadas, tomava um gole e outro de cerveja em plena manhã de um dia qualquer, assistia na tela grande do vão do Masp, mais um filme que, para alguns é chato, que para outros sofrível e, para os insensíveis uma droga, mas, que para ele era um profundo estudo de observação onde recolhia material para os contos, rascunhos, crônicas e outras baboseiras, coisas que alguns gostavam e que outros liam por consideração.
Construía na mecânica da vida o alicerce para outras vidas.

Pastorelli

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