Há
dias em que o cansaço se estende sobre a doença, se tornando impossível
distinguir um do outro. Andamos pelo mundo sem saber se as coisas são como são,
ou se tudo que vemos é mero reflexo do que há do lado de dentro da gente.
Não
sei se o homem com ar de valente, dentro do ônibus, vê paisagem semelhante a
que vejo, ele olha para todos como se visse estampado em cada face, o rosto de
um adversário. Sentado com as pernas abertas, inconscientemente expande o seu
território, como um cachorro urinando na calçada, rosna para outro cão que se
aproxima, o macho humano oprime o adolescente que segue viagem, encolhido ao
seu lado.
No
banco do fundo, duas moças conversam, parecem ter cerca de 15 anos, enumeram a
quantidade de pessoas que beijaram na boca este ano, elas não têm brilho nos
olhos e nem alegria na voz, falam alto como se o volume de suas vozes,
aumentasse a massa corpórea.
Do
lado de fora, vejo um papel ser arremessado no asfalto, olho para a mão que o
arremessou, lá há um homem que caminhou aquele mesmo itinerário, ele, um
humano, também foi arremessado para fora da sociedade, agora senta no banco do
ponto de ônibus, sem nunca embarcar, seus olhos o preservam dentro de si,
protegendo-o e evitando as imagens que passam em sua frente.
Atrás
de um trailer, localizado ao lado de uma escola pública, uma mulher se limpa
após ter defecado, utilizando a própria calcinha, se troca em público, não
sente vergonha da nudez, parece não sentir muita coisa, carrega a peça de roupa
suja e a joga numa caçamba, no meio de seu caminho havia muitas pedras, ela
espera pela próxima.
É
hora de descer, não estou mais sozinho, sou um veículo coletivo que carrega
tudo que mira dentro de si. Me sinto fraco, mas o caminho é linha reta: delícias
e tragédias no porvir.
1 Comentário
Eu fico pensando, enquanto ando por aí: quantas e quais dimensões meu cérebro, seus hormônios e sinapses conseguem perceber da tal dita "realidade"? A gente "passeia" contigo nesse trajeto de ônibus. Quantas pessoas, olhares e, sobretudo, reflexões embutidas (algumas vc nem se apercebeu ainda, e possível!) em tudo que vc percebeu! Mas é recorte, e parte! O bonito e justo, conforme minha percepção ate aqui, e criar algo como você sempre "empreende". Viu, até verbo bem profanado dá para usar! A porção que a gente morde da maçã da Realidade precisamos saborear! Eis a minha convicção, excelente amigo escritor!
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