quinta-feira, 25 de abril de 2019

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Pequenas histórias 333


Só no quarto
 

- Só no quarto andar, ela disse ao passar pelo corredor.
Como todos, precisava de um gostoso café, bem quer dizer, café de máquina nunca é gostoso, mas na falta de outro, passava a ser gostoso. A maioria trazia seu pequeno lanche que, folgadamente abriam sobre a mesa, bolacha com manteiga, manteiga com pão francês, pão francês com pão francês ou, traziam pão de queijo que compravam de vendedoras que empestavam a Avenida Paulista, com suas tralhas mambembes expondo ao ar poluído de fumaça e poeira expelidas dos escapamentos desregulados dos veículos.
- Do outro lado também não tem, só no quarto andar, diziam para os angustiados necessitando do preto mais gostoso.
A situação já estava tornando-se meio alarmante. No quarto andar começava a formar fila se estendendo entre as mesas dificultando o trabalho do pessoal. Parecia um bando de selvagens em pé de guerra com seus tacapes de olhares fulminantes. Alguns, prevendo o colapso derradeiro, procuravam passar na frente, discutia a prioridade como se fosse o dono, o presidente, e gritava:
- Primeiro os mais idoso.
- Quer dizer os velhos?
- Velha é a puta que pariu.
- Olha a boca.
- Calma gente há para todos, não há?
- Não, acho que está terminando, só tem água quente.
- Aí pessoal, acabou o café, o chá, o leite, o chocolate, tem só água quente. É bom água quente, quem vai querer.
 Uma voz mais forte, potente impondo, gritou:
- Calma gente, já foi feito o chamado, daqui a pouco o técnico estará aqui arrumando essa merda.
- Olha a boca, porra!
Assim o pessoal se acalmou e cada um foi para a sua mesa. No entanto não começaram a trabalhar, sentaram em suas cadeiras e cruzaram os braços. Outros simplesmente debruçaram a cabeça sobre a mesa e dormiram. Não dava para iniciar o trabalho sem o café, diziam os mais aflitos. Assim ficaram por longo tempo. Nem a chegada do chefe foi notada e, muito menos, nem a chegada do gerente com seu potencial de barítono gritando o seu:
  - Bom dia.
Acostumado com o bom dia geral, quase que programado, estranhou o silencio que fizeram, como se ele não estivesse ali. Depois que depositou a pesada pasta em cima da mesa, e ter ligado o micro, saiu da sala para saber o que estava acontecendo. Não foi muito trabalho saber o porquê, viu o luminoso escrito na testa de cada funcionário: café - queremos café. Os audaciosos, principalmente os aposentados, portavam cartazes com dizeres: ou temos café ou não trabalhamos. Apavorado, o gerente não sabia o que fazer. Alçado ao posto recentemente, olhava para os seus subordinados mais assustados que ele. Voltou para a sua sala e fechou a porta. Através do vidro viu o perigo eminente. Se o pessoal resolvesse invadir a sala não tinha nada como se defender. Estava à mercê dos zumbis sem café. Pegou o telefone e discou o número do seu chefe. Expôs todo o perigo que corria e pediu orientação. Ouviu o berro do chefe em seu ouvido:
- Temos mais o que fazer ao invés de preocuparmos com essa porra de café. Quem quiser que desça e vá tomar café no Espetão.
Ordem recebida, ordem comprida.
Meia hora depois o prédio estava vazio.

pastorelli

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