sábado, 7 de dezembro de 2013

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Levitate



“Sonhos e realidade. Data estelar: Mercúrio e Netuno em quadratura; Lua cresce em Aquário. Para efeitos cósmicos, é irrelevante que Tu te esforces em distinguir teus sonhos daquilo que chamas de realidade, pois teu ser permeia todas as circunstâncias com a imaginação. As coisas de tua vida não são coisas, são representações, são significados, são cabides de tuas fantasias e imaginações. Por isso, como podes Tu pretender que haja diferença entre o que chamas de realidade e teus sonhos? O que sobraria dessa realidade se repentinamente todos teus sonhos desaparecessem? Sobraria apenas tua perplexidade, um vazio existencial do tamanho do Universo. Sonha, faze isso sem pudor nem temor, entende de uma vez por todas que teus sonhos dão vida à realidade, que isso não é alucinação, mas um poder que nossa humanidade utiliza de forma constante sem sequer conhecê-lo inteiramente.” Oscar Quiroga

 

Hoje vou escrever sobre uma história que apenas quem me conhece bem de perto – os meus pais, a minha namorada – já me ouviu contar. História com h por se tratar da narração de fatos, acontecimentos ou particularidades relativas a um determinado assunto; acepção de número oito no nem tão “Novo Dicionário Aurélio”, 1975.

 

Decidi fazer isso por ter lido um trecho anteontem num livro que me impressionou muito, dando-me coragem. E já está mais do que na hora desse tipo de acontecimento deixar de ser tratado como tabu. Afinal, exemplos existem aos montes, nas mais variadas áreas do conhecimento desde Jung até o sonho de Kekulé.  

 

E esta é a minha história: eu fiz a graduação em engenharia mecânica, engatei um mestrado na sequencia para aprender mais sobre o método dos elementos finitos, um assunto pelo qual me encantei desde o primeiro contato.

 

Explicando de uma forma simples, trata-se de um procedimento matemático usado para resolver problemas complexos da mecânica aplicada para os quais não temos a solução exata, valendo-se da representação por um modelo computacional composto de elementos mais simples, para os quais a resposta é conhecida.

 

Ainda está difícil? Eu sei que está. Então vamos lá de novo. A gente pode calcular a complexa estrutura metálica de um avião representando-a por tijolinhos. E daí, como a gente conhece o comportamento físico dos tijolinhos (ou elementos finitos), então a gente pode descobrir se o avião aguenta as cargas de voo e pouso para as quais ele está sendo projetado, onde dá para aliviar peso da estrutura ou onde esta precisa ser reforçada.

 

Eu sei disso porque trabalho com estruturas aeronáuticas há quinze anos. Eu sei, pode parecer loucura, mas eu gosto do que faço. Mas esta é outra história. A história da gênese do Método dos Domínios Pontuais ou simplesmente MDP, como eu decidi denominar.

 

A minha família é simples e meus pais custearam com dificuldades o ensino particular meu e do meu irmão em São João da Boa Vista – primeiro no Externato Santo Agostinho e depois no Colégio Orion. E depois ainda a nossa moradia na cidade de Campinas, para curtirmos em tempo integral a Unicamp do inicio da década de noventa! Sei do esforço que fizeram por nós e lhes sou muito grato por isso.

 

Naquele ano de mil novecentos e noventa e cinco eu estava na metade do mestrado, trabalhava num problema aplicado a bomba injetora Bosch para motores a diesel e havia real possibilidade de terminar o mestrado, deixar de viver das bolsas de estudos e conseguir o meu primeiro emprego lá. Na verdade, já estava passando da hora de eu desmamar da universidade; mas a gente sabe, são tortuosos os caminhos dessa vida.

 

E foi então, numa dessas viagens na maionese, que eu comecei a pensar: por que a gente precisa usar esses malditos tijolinhos (elementos finitos) se quando eles se deformam muito perdem a capacidade de representar os fenômenos da natureza? Por que não representar as coisas por uma nuvem de pontos se somos constituídos de átomos, de moléculas com prótons e nêutrons com elétrons a girar ao redor destes, como as estrelas do céu noturno? Putz, que loucura!

 

Então eu fui ter com o meu então orientador sobre estas minhas “questões” e ouvi dele o meu primeiro sonoro não. “Se você quiser fazer doutorado comigo tem de continuar os estudos que começou e eu não tenho o menor interesse em investigar esse tipo de ideia.” E assim fui ouvindo outros nãos doutros professores da engenharia mecânica e da matemática – vejam onde é que eu fui me meter, um cara tão normal como eu.

 

Até que eu conversei com o professor Renato Pavanello do Departamento de Mecânica Computacional da Unicamp, uma pessoa muito bacana, que me ajudou muito na parte final do trabalho e a quem sou muito grato também. E ele me disse: “Cara, essa coisa de pontos é meio esquisita, eu não entendo muito disso, mas recomendo que você converse sobre isso com o professor Iguti, lá do fundo do corredor.”

 

Figura estranha aquele descendente de japonês baixinho, com uns óculos arredondados e vasta cabeleira grisalha. O professor Fernando Iguti era formado em engenharia aeronáutica pelo ITA e doutor pelo afamado Imperial College de Londres. Por muitos considerado um gênio e também pessoa de grande humanidade, caráter e simplicidade. E, vale mencionar isso, eu considero o Iguti a pessoa mais inteligente que tive a oportunidade de conhecer pessoalmente (até hoje). Ele me disse: “Você deve ser meio maluco, eu não entendo direito o que está falando, mas esse treco – ele gostava de usar a palavra treco a torto e a direito – me parece fazer algum sentido.” E me deu o seu primeiro conselho: “Para de pensar nisso e termina o seu mestrado. Daí, depois, eu posso sim te orientar no doutorado.”

 

Ei você, não dorme não! É agora que a história começa, é isso que eu nunca expus publicamente: eu durmo muito. Preciso de umas nove horas de sono por noite. Naquela época, principalmente nos três primeiros anos do doutorado, de 1996 até 1998, era muito comum eu sonhar que estava sendo ensinado sobre o Método dos Domínios Pontuais. Mas que porra é essa?! Isso mesmo, sempre que eu enfrentava uma dificuldade nas minhas pesquisas, era batata: à noite eu dormia e sonhava estar numa pequena sala, com uma mesa, cadeira de um lado e cadeira do outro, de frente para uma pessoa que eu nunca consegui identificar o rosto e essa pessoa me explicava como eu devia proceder. No outro dia pela manhã eu só precisava decodificar o sonho, botar em equações as ideias, programar no computador e voilà... o treco funcionava!

 

 Lembro-me desses anos maravilhosos com grande entusiasmo. Eu encontrava-me com o professor Iguti toda a sexta-feira às duas horas da tarde. Então eu contava para ele o que eu havia feito ao longo da semana. E ele era espécie de advogado do diabo oops, perdão, advogado dos elementos finitos. Ele me dizia: “Tudo bem, com esse seu treco dá pra resolver esse problema; mas com elementos finitos da pra fazer isso, aquilo e mais aquilo outro! Será que esses seus domínios pontuais também conseguem fazer isso?” E daí pronto... estava com a cabeça cheia de problemas para mais uma semana.

 

O professor Iguti tinha um hábito estranho. Quando terminávamos as nossas reuniões de sexta, ele punha uma única bala japonesa sobre a mesa, bem a minha frente (ou não). Era a forma de ele dizer que estava satisfeito com os progressos da semana. O que ele não sabia é que eu tinha esse meu outro professor, que a noite me ajudava com as questões às quais estava ocupado. E quase sempre eu levava a bala japonesa para casa.

 

Já mais para o final do trabalho o professor Iguti me disse que eu precisava ir à biblioteca, que eu precisava ler uns artigos, porque precisava ao menos de uma revisão bibliográfica para a introdução daquele treco que eu estava inventado. Eu nunca pensei assim. Sei que eu trabalhei muito, que eu fiz por merecer, mas eu não inventei nada. Eu era um decodificador de sonhos; eu botava no papel as equações e testava-as no computador. Elas simplesmente funcionavam como deve ser uma forma eficiente de se representar os fenômenos da natureza.

 

Bem, essa é a história do MDP. Acho que por isso, logo na primeira frase dos agradecimentos, eu escrevi em minha tese: “Agradeço, acima de tudo, a Deus, pela Sua inspiração e proteção.”

 

O ano era 1866: “Aos 62 anos, Kardec queria acelerar o trabalho, lançar novos livros e fazer novas revelações antes que fosse tarde demais e seu tempo na Terra se esgotasse. Um engano, segundo o porta-voz dos espíritos:”

 

“– De que serve correr? Não te dissemos muitas vezes que cada coisa virá a seu tempo e que os espíritos prepostos ao movimento das ideias sabem fazer que surjam circunstâncias favoráveis?”

 

“Para não correr o risco de correr o risco de ser punido por ‘suicídio involuntário’, Kardec rendeu-se ao descanso e, na noite de 24 de abril, foi surpreendido por um sonho misterioso.”

 

“Ao passar por uma rua desconhecida, deparou-se com grupo de homens entretidos com uma conversa quase inaudível. No canto de uma parede, logo atrás, viu uma inscrição com letras miúdas, brilhantes como fogo, que se esforçou para decifrar: ‘Descobrimos que a borracha enrolada sobre a roda faz uma légua em dez minutos pela estrada (...)’.”

 

“A frase foi desaparecendo, pouco a pouco, antes de Kardec ter tempo de concluir a leitura. Ao acordar, ele trazia uma série de interrogações:”

 

“– O que significaria aquela borracha capaz de fazer uma légua em dez minutos? Seria a revelação de alguma nova propriedade desta substância? Ela desempenharia algum papel na locomoção? Querem pôr-nos no caminho de nova descoberta? Mas por que, então se dirigiram a mim, em vez de a especialistas, com tempo para realizar os estudos e experiências necessários?”

 

“As respostas viriam do além. Não através do sumido Espírito da Verdade, mas em nova mensagem assinada pelo médico Demeure:”

 

“– O que vistes são encarnados que se ocupam, em diferentes partes do mundo, de invenções destinadas a aperfeiçoar os meios de locomoção. Uns têm pensado na borracha, outros em outras matérias. Mas o que existe de particular nesse sonho é que quiseram chamar-vos a atenção, como objeto de estudo psicológico, para a reunião, num mesmo lugar, de espíritos de diferentes homens dedicados ao mesmo fim.”

 

“Estas reuniões de trabalho aconteceriam com frequência quando os homens deixavam seus corpos, durante o sono, para se encontrar, em espírito, em diferentes pontos do planeta. Ao despertarem depois destas longas confabulações sobre descobertas e invenções em comum, voltavam a desenvolver suas pesquisas, longes uns dos outros.”

 

“Kardec revelou seu sonho em reportagem na Revista Espírita.”

 

“Premonição?”

 

“Não. Para os adversários, mera ignorância. Em 1840, Charles Goodyear já descobrira o processo de vulcanização da borracha; cinco anos depois, os irmãos Michelin patentearam o pneu para automóvel; e, em 1847, Robert Thompson inserira, pela primeira vez, câmaras de ar em pneus de borracha maciça.”

 

“Revelação?”

 

“Sim, de acordo com os aliados. Afinal, só vinte anos depois deste sonho, a partir de 1888, o pneu passaria a ser fabricado em larga escala na Europa e nos Estados Unidos.”

 

“Nem mesmo em sonho Kardec estava livre de polêmicas.” – Trechos extraídos de ‘Kardec: a biografia’ de Marcel Souto Maior, Record, 2013.

 

Porque ainda sou Criança procuro manter a mente aberta ao Novo e os pensamentos Elevados.

 

– Dedicado aos meus Amigos Bellini e Takashi, que não me deixam beber sozinho.

 

 

1 Comentário

Tânia Du Bois

Caro amigo Xerxes,

É um prazer usufruir de suas palavras e imagens.
Adoro novidades!
Abraços,
Tânia.