No poema “A Implosão da mentira”, de Affonso Romano de Sant’Anna, encontro a declaração da mentira como ecos da realidade.
“Mentem, sobretudo, impune/mente. / Não mentem tristes. Alegremente /
mentem. / Mentem tão nacional/mente / que acham que mentindo história
afora / vão enganar a morte eterna/mente”.
Parece ser o que realça o poeta; aí encontro o contexto que atinge o homem em momento de pura eternidade.
“Mentem. Mentem e calam. Mas suas frases / falam. E desfilam de tal modo
nuas / que mesmo um cego pode ver / a verdade em trapos pelas ruas”.
O poema abrange duas correntes críticas: de um lado, uns caminham para a mentira e, do outro, acreditam na mentira como verdade. Affonso, com o poder de toque próprio, mostra ideias abordadas na poesia, de que o homem maneja elementos de verdade e tenta dar-lhes forma e consistência, defendendo sua sobrevivência.
“Sei que a verdade é difícil / e para alguns é clara e escura. / Mas não
se chega à verdade / pela mentira, nem à democracia / pela ditadura”.
Há lucidez entre verdades-mentiras e o poeta, na obra, concede a extensão das possibilidades de a poesia ser poesia, permanecendo entre nós as suas palavras e o lado “claro e escuro” que o torna ponto de referência para o caminho do leitor.
Affonso, no poema, como manifesto, realiza uma poesia diferente, que faz sentir o espírito de uma época; ecos da realidade que ligam a arte de escrever com a arte de viver, em processo que tem por cenário a palavra mentira, como questionamento, sem perder a capacidade de acreditar.
“Mentiram-me. Mentiram-me ontem / e hoje mentem novamente. Mentem /
de corpo e alma, completamente. / E mentem de maneira tão pungente /
que acho que mentem sinceramente”.
O poema, A Implosão da Mentira, é o estado natural que une o momento à invenção da verdade, como conversa em que a mentira assume sua nossa vivência. Ele, à sua maneira, deixa marcas sobre o contexto que nos move diariamente.
“Página branca onde escrevo. Único espaço / de verdade que me resta. Onde
transcrevo / o arroubo, a esperança, e onde tarde / ou cedo deposito meu
espanto e medo. / Para tanta mentira só mesmo um poema / explosivo –
conotativo / onde o advérbio e o adjetivo não mentem / ao substantivo /
e a rima arrebenta a frase / numa explosão da verdade. // E a mentira
repulsiva se não explode pra fora / pra dentro explode / implosiva”.
Ecos da realidade reflete a poesia de Sant’Anna, sensivelmente estruturada em relação à consciência e à vivência, permitindo ver a realidade e a natural reação ante a mentira. É poesia de pequenas/grandes verdades, vivíssima e atuante no leitor. Revela as mentiras reconhecidas pelo poder: o tempo dando vazão aos acontecimentos e nos ensinando a sobreviver.
quarta-feira, 30 de março de 2011
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ECOS DA REALIDADE
autor(a): Tânia Du Bois
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